Everybody Hates Chris (terceira Temporada) |
A gaúcha Magali passara os últimos cinco dos seus trinta anos rezando pela mesma cartilha. No começo da manhã daquele 12 de maio, ela se espreguiça ao despertar a respeito um colchonete roto. Sobrevivera a mais uma madrugada dividindo uma das tantas calçadas que lhe serviram de leito nos últimos tempos. A turma maltrapilha começa a se dispersar. Entre sonolenta e arredia, Magali vai, aos poucos, entrando no papo. Fecho o bloco de notas e estendo a mão: "Meu nome é Eliane Trindade. Tipo De Homem Melhor Para Casar e trabalho pra um jornal chamado Folha de São Paulo". Histórias De Sucesso: A Gordinha Que Virou A Alta E Magra devolve a bola na mesma toada: "Meu nome é Edna Magali, imediatamente me esqueci quem eu sou e faz um tempão que serviço para o crack".
Risos e um comprido aperto de mão. Estava selada, com toques de ironia e humor, uma empatia que fez da Gaúcha, como Magali é mais conhecida pelos colegas de "trampo", protagonista dessa crônica. Pergunto se ela me concede uma entrevista. Marca para depois do banho e do café da manhã.
Faz fila, próximo com outros usuários de crack, à porta da Cristolândia, incumbência da igreja Batista que atua na área. Retorna quarenta e cinco minutos depois e se esparrama no colchonete. Cruza as pernas e monopoliza a conversa. Leva um lero com "noias" que assim como filaram o "rango dos crentes". Enquanto Escravo Baibars Odiava Os Cruzados mais tempo conversando com Alemão, um dos "radicais", como são chamadas os ex-usuários que viraram missionários e tentam convencer a galera a trocar crack por Cristo. Ela lavou os cabelos tingidos de louro e trocou de roupa -pegou uma muda nova na montanha de peças doadas pelos evangélicos.
Jogou os trapos sujos que usava "não sei há quantos dias" no lixo. Revigorada pelo banho quente e pela cafeína, participa do culto. É quase meio-dia quando nos sentamos no bar da esquina da avenida Barão de Piracicaba, no centro de São Paulo. Magali pede dinheiro para ceder entrevista. Explico que nem ao menos eu nem o jornal pagaríamos para ter o teu depoimento.
10 de um produtor de tevê. Ofereço coxinha e Coca-Cola, o mesmo que eu e o fotógrafo Apu Gomes, escalado para me ver de perto naquela reportagem, comemos na hora do almoço. Com o estômago forrado e convencida de que não iria alcançar levar uma graninha da dupla, ela relaxa e desfia tua trajetória.
Pele e osso, exibe inúmeras cicatrizes espalhadas por uma silhueta de "modelo anoréxica". Tua passarela são as ruas do centro até assim sendo território livre pra consumo e venda da "filha carente e maldita" da cocaína. Duas noites antes, ela conta ter rastejado por grãos de crack de péssima propriedade. Gaúcha destila um vocabulário rico, de quem concluiu o Ensino Médio em uma legal faculdade. Filha de uma família de categoria média baixa, ela impede tratar da existência pré-cracolândia.
Naqueles dias, ganhava o noticiário a chegada do óxi, um crack batizado, logo apontado na polícia e especialistas como mais letal e viciante. Magali constata pela carne outros malefícios não propalados: "Sai pereba com intenção de todo lado. Este crack de merda vai comendo a pele. É com o intuito de matar mesmo. Com este óxi, a cracolândia vai virar 'perebolândia'", profetiza.
Ela mostra feridas recentes e novas cicatrizadas. História Da Cleópatra reconhecíveis dos efeitos devastadores do crack no organismo e pela vida. Com olhos marejados, limita-se a informar a idade deles: 11, 9 e 6 anos. Enquanto faz um transitório inventário de perdas, vai contando as perebas nas pernas e no braço. Pula uma cicatriz extenso na barriga, grossa e mal costurada.
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